O dia começou corrido.
Tínhamos cinco mandados para cumprirmos em apenas três
equipes.
Os dois mandados de busca e apreensão de ontem eram relacionados
aos de hoje.
Foram cumpridos ontem exatamente para que não tivéssemos
mais trabalho hoje, precisando de mais gente.
Minha equipe foi formada por meu colega e eu.
E só.
Fomos até a residência, em um beco.
Esqueci de mencionar ontem o fato de já chegar usando luvas
cirúrgicas para cumprir o mandado.
Casa fechada e sem movimento.
Armas coldreadas.
Batemos na porta.
Nada.
Batemos na porta e falamos que éramos da Polícia.
Nada.
Meu colega forçou levemente a porta e ela abriu.
Sacamos as armas.
Ele entrou e eu fui logo atrás.
Uma mulher saiu de um cômodo dos fundos falando que se
vestiria e iria nos receber.
Perguntamos a ela se havia mais alguém na casa e ela disse
que não.
Logicamente isso deve ser confirmado.
Foi então que utilizei as técnicas de fatiamento, aprendidas
na Academia.
A arma passa a ser um terceiro olho.
Os outros cômodos, que não eram muitos, foram checados dessa
forma.
Nada.
Isso já diminui a tensão.
A mulher vestiu-se e veio falar conosco.
Mostramos o mandado e começamos a cumpri-lo.
De chegada, meu colega encontrou um objeto suspeito dentro
de uma sacola, ao lado da geladeira.
Um bebê de pouco mais de um mês chorava enquanto fazíamos
nosso trabalho e a mulher tentava acalmá-lo.
Fizemos tudo como já descrevi outras vezes.
Procuramos em todos os lugares.
Mas apreendemos apenas esse objeto que foi encontrado logo
na chegada.
Papelada feita, tudo assinado, rumamos para o outro endereço
cumprir mais um mandado.
Os outros colegas faziam o mesmo, cada equipe em uma casa
diferente.
Chegamos ao outro endereço e, novamente, tudo fechado.
Bati na porta.
Nada.
Meu colega fazia a volta pelo lado, cuidando os fundos.
Bati de novo.
Um menino de uns sete anos atendeu.
Perguntamos se ele estava sozinho.
Ele disse que sim.
Dissemos que éramos da Polícia e pedimos para verificar se
havia alguém ali.
Ele abriu a porta e nós entramos.
A casa era maior do que a outra onde havíamos estado.
Mais cômodos a serem fatiados.
Logo apareceu um rapaz, com cara de sono, perguntando o que
estava ocorrendo.
Com a mão no cabo da pistola, que estava no coldre, solicitei
que ele levantasse os braços e encostasse na parede.
Ele obedeceu.
Passei a revistá-lo, enquanto ele perguntava onde estava o “mandato”.
Respondi que logo mostraria.
Revista feita. Estava limpo.
Mostramos o mandado, ele leu e passou a nos acompanhar.
Novamente, buscas em todos os lugares.
Não encontramos o que procurávamos.
Alguns objetos foram fotografados, mas não apreendidos.
Voltamos para a Delegacia e fiquei encarregado de fazer os
registros, mencionando as apreensões de hoje e do dia anterior.
Terminei no início da tarde, etiquetei e entreguei tudo.
Comecei a separar alguns procedimentos que haviam chegado
até nossa Seção.
Tudo separado em duas vias, algumas peças xerocadas, e tudo
organizado.
Uma pessoa que fora intimada compareceu.
Uma vítima.
Parei tudo e fui tomar o depoimento.
Antes de terminar, pedi para que ela nos auxiliasse, sendo
testemunha de um reconhecimento direto.
Aliás, o primeiro que presenciei.
Cinco indivíduos segurando números em uma sala que era
separada por um vidro espelhado da outra sala, onde vítimas e testemunhas fazem
o reconhecimento.
Apesar de informarmos que não há possibilidade de o autor do
fato ver quem está fazendo o reconhecimento, o reconhecedor sempre fica
reticente.
Posição dos indivíduos fotografada e consignado qual número
a vítima mencionou.
Logo, fomos solicitados para a condução de três presos até o
presídio.
E já fiz uso do par de algemas de novo.
A técnica policial aconselha superioridade numérica sempre.
Chamei mais um colega para, ao menos, irmos em igualdade
numérica.
Eles foram colocados no xadrez da viatura, sem contato
conosco.
O fato de estarem algemados, sem contato conosco e o trajeto
ser curto, diminuía, em tese (pois na prática tudo é em tese) o risco.
E tudo correu sem problemas.
Voltamos pra Delegacia e continuei organizando meus
procedimentos.
Fiquei verificando cada um, para ver quais providencias
tomar para elucidar a autoria.
Um deles me chamou a atenção.
Um roubo em que a vítima era um caminhoneiro.
Haviam levado dinheiro e os documentos do caminhão.
Olhei a relação de documentos.
A placa era familiar.Os documentos também.
Pedi para que meu colega conferisse a placa dos documentos
encontrados ontem durante o cumprimento de busca no final da tarde.
Aqueles mesmo que eu havia encontrado dentro da caixinha de
luz.
Bingo!
Era a mesma!Todos os documentos descritos haviam diso localizados em virtude de outro procedimento.
Senti uma satisfação tão grande que não consigo descrever.
O fato de encontrar os documentos ontem e ver o procedimento
hoje pode ter sido só coincidência.
Mas é como um coroamento, pois não sosseguei ontem enquanto
não encontrei nada de estranho.
Foi esse desassossego, essa intuição, sei lá, que me fez
continuar procurando.Talvez seja um aviso de que as coisas estão sendo feitas corretamente.
Ou talvez, foi só coincidência.